Pesquisar este blog

16.2.09

Marta e Léo se esforçaram, mas não conseguiram disfarçar a surpresa quando viram Luciano, que nunca fora amigo íntimo do casal, bater à porta querendo saber se podia deixar as coisas ali.
Pôde. Acendeu um cigarro e começou a caminhar, inicialmente sem rumo. Depois decidiu conferir se a oficina mecânica onde trabalhara ainda existia.
Viu uma farmácia, dessas anabolizadas, 24 horas, ocupando o seu lugar. Chegando mais perto, porém, viu que a oficina ainda estava lá. Mas não era a mesma. A farmácia tinha tomado dois terços do prédio onde fora a Auto Mecânica São Geraldo.
Aproximou-se mais. Não viu rostos, só ouviu ruídos de risadas e televisão. Não queria ser visto pelos antigos companheiros. Mas deixou-se perder por um instante em lembranças e essa demora foi-lhe fatal.
- Ei, aquele não é Luciano?
- É sim, é ele!
Fora descoberto. Não podia fugir. Nem queria falar. Chico, Valmir e Edson sabiam que ele sempre foi calado e meio estranho. Mas agora parecia mais.
Aos quatro juntaram-se duas moças que não eram do tempo de Luciano. Formou-se uma roda de expressões constrangidas, uns com as mãos nos bolsos, outros coçando a barba, uns fitando o chão, outros se entreolhando.
Ninguém falava nada e Luciano teve tempo para observar o lugar com mais atenção. Aquilo parecia tudo, menos uma oficina: o chão limpo, as paredes cheirando a tinta fresca e, finalmente, nenhum carro de capô erguido.
- A gente tá reformando.
Essas quatro palavras de Edson fizeram aquele grupo redescobrir a faculdade de comunicar-se.
- A nossa idéia é fazer uma oficina junto com um salão de beleza. Pra atrair a freguesia feminina, né? E também os maridos que vierem com as esposas vão poder dar uma olhada no carro enquanto esperam a patroa. Agora e gente enrica! - Emendou Valmir, esperando, em vão, pela opinião de Luciano.
Chico tentou mudar de assunto:
- Você se formou em quê mesmo?
Luciano olhou para o amigo e viu, por sobre seus ombros, ao longe, a ponte.
Onze anos antes, num dia ensolarado como aquele, notou o reflexo do sol poente no rio pela janela do ônibus e pensou que em São Paulo jamais veria algo parecido com aquilo. Mesmo se a poluição deixasse, não haveria tempo, não haveria horizonte, não a veria.
- Eu vou cortar seu cabelo, vem. - Propôs Glória.
Luciano obedeceu.
- Você gosta de sorvete? Aqui na farmácia vende. Ritinha, quando eu acabar aqui pega um sorvete lá pra gente tomar!
- Uma bola de flocos, uma de coco e calda de caramelo.
O espanto foi geral e inevitável. Em qualquer outro contexto soaria como um simples pedido. Porém, era a primeira frase que os velhos colegas ouviam sair da boca de Luciano em mais de uma década. Ritinha e Glória já começavam a achar que o homem era mudo ou doido.
O recém-chegado, ao contrário, se mantinha inexpressivo, imóvel, fitando a si no espelho.
- Ela jogou o sorvete inteiro na minha camisa verde quando eu disse que ia embora. Uma bola de flocos, uma de coco e calda de caramelo. De casquinha.

12 comentários:

Anônimo disse...

uma CAUDA de caramelo, é isso mesmo?

Bruno R disse...

é q eu nao costumo tomar sorvete... (colou?)

Anônimo disse...

Sorvete de flocos é bom NA cobertura

Anônimo disse...

pelo menos UMA palavra em caixa alta, pra não sair do ritmo.

Belo texto. Mormente a passagem "não haveria tempo, não haveria horizonte, não a veria."

Isabella Araújo (Zabella) disse...

nunca tinha pensado nessas farmácias anabolizadas com essa adjetivação. ai, essas "farmacinhas" são o paraíso dos creminhos e loções... e tudo o mais que não tem nada a ver com farmácia. esse Luciano é esquivo demais, guarda um mistério. um anti-social.

Tiago Germano disse...

pronto, adicionei manualmente.

Tiago Germano disse...

agora, você sabe como faz pra os blogs que você acompanha serem adicionados no teu perfil?

::: Luís Venceslau disse...

Mas a graça já é essa, Isabella! hehehe =p

Anônimo disse...

"Formou-se uma roda de expressões constrangidas, uns com as mãos nos bolsos, outros coçando a barba, uns fitando o chão, outros se entreolhando." Aí daria umas 8 pessoas, no mínimo, em vez de 6, não? Se fossem separadas duas para cada ação. E essa oficina limpinha tá mais parecendo fachada pra desmanche. É só dar uma vasculhada melhor.

Anônimo disse...

digamos que uns que fitam o chão sejam os mesmos das mãos nos bolsos, por exemplo. a observação foi boa, mas acho que há argumento contrário possível.

Bruno R disse...

ja eu nao acho que a observacao foi boa :)

Anônimo disse...

Bem, é como se fossem aqueles problemas matemáticos de 8ª série, interseção.