Nasci em São Mamede. E como todos
que nascem em São Mamede eu
Trabalhava em minhas Memórias
quando o telefone tocou. Um trabalho, enfim. Um siamês chamado Carniceiro
sumira. Como sempre fazia, antes de iniciar toda investigação complexa fui
consultar Pai Gouveia, o pai-de-santo.
Um parêntese. Pai Gouveia não quer
mais me atender, só porque lhe atrasei alguns pagamentos. Preciso falar a
verdade: nunca paguei a Pai Gouveia. Não sei mais onde ele atende, Pai Gouveia
é discreto, não precisa de publicidade. Pai Gouveia é outra história. Mas sei
quem deve saber onde posso encontrá-lo: Juliana. Pai Gouveia vai me dar o
serviço. Sem Pai Gouveia não tem Carniceiro e sem o gato não tem comida no
prato.
Juliana é uma
dona que andei pegando e resolveu pôr fim ao nosso relacionamento de sete anos
e dois meses só porque me sustentava e achava que tinha direito a passar mais
tempo comigo. Mais do que as três horas por semana. Mas sou um profissional.
Pelo trabalho eu passo por cima do meu orgulho.
Juliana tem o péssimo hábito de
não atender ligação a cobrar. Moro tão longe que preciso pegar dois ônibus para
comprar um cartão de orelhão. Considero que, depois de três dias, já estava bom
de fazer uma refeição e resolvo almoçar no restaurante popular, que cobra R$ 1.
Boa, Lula.
Juliana sabe do Pai Gouveia, mas
não quer me dar o endereço por telefone, tem que ser pessoalmente.
Tudo na vida tem consequência. O
almoço no Centro me deixou sem dinheiro para pegar ônibus e fico esperando, espiando
um cobrador com cara de banana para poder dar o ninja. Sou obrigado, agora que o
golpe da Manassés não cola mais.
Triiiim. Abre a porta e vai logo
me perguntando o senhor da última vez levou daqui uma toalha e um rolo de papel
higiênico? Porra, Juliana, boa tarde pra você também. Depois de me obrigar a
fazer amor por vinte e duas horas seguidas consigo sair de lá com o que queria.
E um pacote de mariola oculto na pochete.
Já sei como chegar a Pai Gouveia.
Mas preciso anranjar um disfarce muito bom para que ele me dê a informação que preciso. Ou
pedir para alguém perguntar por mim. Mas quem ainda me faria um favor? A quem
eu não devo ou nunca roubei? Juliana poderia quebrar mais este galho. Mas pode
ser que ela não aceite outro pagamento na única moeda que disponho para
oferecê-la. Sem falar no meu orgulho ferido pelo pé na bunda depois de oito
anos e cinco meses. Bah. E se eu conseguisse um adiantamento? Será que alguém
que batiza um siamês de Carniceiro confiaria neste detetive? Não está fácil pra
ninguém. Fecha parêntese.