O recém saído das rotativas Amálgama (2013), que, diga-se de passagem, marca a estreia em livro de Rubem Fonseca como poeta, aos 88 anos de idade e 50 de carreira literária, traz um poema intitulado Sopa de pedra, que pode ser tomado como uma metonímia do livro – e talvez da obra metaficcional do autor como um todo.
Um escrevia o nome da mulher amada com letras de macarrão
Enquanto a sopa esfriava no prato.
Outro era metade solidão e metade multidão.
Estou de olho neles.
Um andava com a espada sangrenta na mão.
Outro fingia que sentia o que de verdade sentia.
Este dizia que não cabe no poema o preço do feijão.
Estou de olho neles.
Este vê a vida como origem da sua inspiração,
A vida que é comer, defecar e morrer.
Todo poeta é maluco.
Estou de olho neles.
E também tem que ser maluco o pintor
E o músico e o prosador.
A loucura é muito boa
Para todo o criador.
Mesmo para os cozinheiros
Ou qualquer inventor.
Estou de olho neles.
É melhor ser capenga do que cego.
A poesia é uma sopa de pedra.
Cabe tudo dentro dela.
Metonímia pois,
neste poema sobre poesia, que dialoga com Ferreira Gullar e Fernando Pessoa, o
eu-lírico reitera uma ideia que perpassa os outros textos (contos e poemas) da
coletânea: todo escritor é louco, todo poeta é doente. A reapropriação da História literária pela literatura
é uma das marcas da “metaficção historiográfica”, que, segundo Linda Hutcheon, é
o que caracteriza
o pós-modernismo na ficção.
Dado o enorme volume de sua obra que dialoga com
a História, em especial a literária, Rubem Fonseca confirma (ao menos em
relação à sua própria criação) o que diz o narrador do seu romance autobiográfico José: “A melhor inspiração do escritor é
sempre encontrada nos livros.” Ele está de olho neles.
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