GOVERNAR sempre foi, em todos os tempos, um duro officio. O exercício da autoridade paga um tributo pesado. É que a encarnação do principio de autoridade exige, em muitas circumstancias, como deveres indeclináveis, a resistência inquebrantável e a opposição inflexível a todos os actos que a desafiam, a enxovalham ou a diminuem.
Se ha um exemplo impressionante de quanto o cumprimento desse dever de prestigiar a autoridade pode expor o governante aos perigos truculentos da ira, esse exemplo nos é dado pela carreira do presidente da Parahyba, trucidado pela vindicta implacável de um adversario.
Quando, a 22 de Outubro de 1928, o presidente João Pessoa assumiu o governo da pequena Parahyba, o que o esperava? A regência de um Estado com menos de quinhentos mil réis em cofre, devedor de quatro meses de honorários aos seus funccionarios, com o seu progresso paralysado pelas angustias de uma situação financeira deplorável, com os sertões infestados por uma turbulência intimidativa e bellicosa. E todos vimos esse homem devotar-se com uma abnegação austera e arrebatada á missão de sanear a administração, de disciplinar a anarchia, de abrir escolas, de construir estradas, de subordinar a um critério severo de ordem, de methodo, de previdencia o exercicio da alta magistratura política de que estava investido. Nada deixava então prever que esse governador exemplar, empenhado em bem administrar, absorvido na tarefa de concertar as finanças avariadas, de pagar os credores, de amortisar e liquidar emprestimos, de inaugurar uma phase constructiva no governo da pequena Parahyba, ia ser precipitado numa luta politica e acabaria prostrado por um inimigo, como um tyranno.
Os commentarios que esse epílogo funesto e imprevisto poderiam inspirar, como antecipação dos que a Historia lhe reserva, já se acham conclusos, nem esta revista seria, pela sua indole, a mais apropriada para os recapitular. Por mais accesas que sejam as paixões nos dois campos em que se degladia a politica nacional, não pode haver quem não se incline com respeito perante, a memoria desse heroe cívico, fulminado no seu posto, victima do seu dever, e quem não condemne como um ultraje á civilização brasileira a solução homicida que tão tragicamente personifica na sua iniquidade os elementos de desordem e de rebellião, cujas bandeiras de anarchia são um arrogante desafio ao principio da autoridade.
As photographias que reproduzimos nesta pagina evocam a hora culminante da carreira politica do mallogrado presidente da Parahyba, quando o dr. João Pessoa veio ao Rio de Janeiro, onde se encontrou com o presidente do Rio Grande do Sul, dr. Getulio Vargas, para a leitura da plataforma em que se expunha ao pais o programma de governo dos dois candidatos da Alliança Liberal.
Ainda então não se manifestara a dissenção politica que collocou o governo da Parahyba perante o desafio e a ameaça de uma rebellião interna, que ali criou um estado de guerra. O dr. João Pessoa vivia o periodo exaltante em que a sua obra de administrador era tida e apresentada como um modelo. O prestigio que envolvia o seu nome não despertara ainda quaesquer clamores de antagonistas feridos pela opposição de sua autoridade, e ninguem poderia prever o desenlace que o destino preparara para o magistrado-estadista, para o saneador das finanças da Parahyba, para o reorganisador exemplar dos serviços publicos. Não tinham sido ainda postas á prova as proeminentes capacidaes de lutador — aliás peculiares á sua familia — de que era dotado aquelle varão, que a fatalidade ia arrancar ao labor pacifico de administrador do pequeno Estado natal e transformar no energico paladino do principio de autoridade, compellido a sustentar uma luta armada e a improvisar um exercito, sem que o seu animo desfallecesse perante os obstaculos que se multiplicavam e que, ao mesmo passo que lhe embaraçavam a acção voluntariosa, faziam sobresair a varonil firmeza da sua attitude.
A consternação que a sua morte imprevista espalhou no pais e a exasperação que caracterizou as expansões de grande parte do povo parahybano ao ter conhecimento do crime que o privara do seu chefe resoluto, certificam com eloquencia maior que a da phraseologia dos necrologios a perda que importou para a nação o anniquilamento dessa vida.
Publicado na revista O Cruzeiro de 2 de agosto de 1930
Fonte: Memória Viva
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3 comentários:
viva o nariz de cera
eeeita... um comentário excluído!! e agora, pra segurar a curiosidade?
Sim, provavelmente por isso e
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